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AlÙJÁ
Alùjá é um álbum musical de Diih Neques Olákùndé, sendo também composto pelas partituras das músicas, letras dos nkorins e por um documentário.
É realizado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei nº 14.017/20, tendo sua produção executiva por Lucas Luz, através de uma parceria com o Projeto Gema.
Diih Neques é alágbè de terreiros de batuque no Rio Grande do Sul desde os seus oito anos de idade. Hoje, com 27 anos, é músico percussionista, produtor musical e arte-educador, tendo atuado em diversos projetos sociais nas periferias de Porto Alegre e Alvorada. Já tocou e gravou com músicos como Angelo Primon, Adriana Deffenti, Três Maria, Dona Conceição, Noal, N.U.M.A, Maga Bo (produtor musical de Seatle/EUA) e Bruno Amaral, de quem faz a direção musical de seu primeiro álbum. É alágbè de terreiros como Ilê Axé Águas de Oxum e Ilê Axé Omy Nanã. Com o Projeto Alùjá, apresenta rezas (nkorins) do batuque com arranjos e preocupação musical para que possa ocupar outros espaços além do terreiro.
O Projeto Gema é uma iniciativa musical multiplataforma – composto por uma websérie em dez episódios, podcasts, textos, fotografias e revistas distribuídas em equipamentos culturais e escolas estaduais de ensino público – sobre a música regional do Rio Grande do Sul. O fio condutor do projeto é a musicalidade, a diversidade e os diferentes fazeres musicais (ritualísticos, espirituais, celebrativos e de entretenimento) dos povos que compõem a herança cultural do estado. É também objeto e conteúdo desta iniciativa a cultura popular ancestral e os mestres e comunidades tradicionais que habitam seu território.
DIIH NEQUES
bio
A religiosidade, os orixás e o batuque
apareceram em mim ainda na barriga.
Antes de eu nascer minha mãe teve dois abortos espontâneos, e com problemas em minha gestação ela procurou auxílio no terreiro da Tia Jô, uma Yalorixá filha de Xangô, que salvou meu nascimento. Com o batuque nasci e fui crescendo.
Diego, meu irmão já falecido, tocava tambor e foi vendo ele que me apaixonei pelo som desse instrumento ancestral. Minha mãe, também falecida, contava que desde meus primeiros passos eu sempre estive atento às vivências dela e de meu primeiro Babalorixá (também falecido), e mesmo já estando presente nos rituais, já dando os primeiros toques no ilú, eu me iniciei “oficialmente” apenas aos 12 anos.
Assim fui acompanhando todas as tradições e cultos me tornando naturalmente uma parte dessa comunidade, e cada vez mais junto do tambor buscando conhecimento. Meu pai é músico e sempre tive contato com a música: via ele tocar guitarra, mas sempre fui apaixonado pela percussão.
Aos 13 anos participei de um projeto social chamado Nação Periférica, onde eu vivenciava e aprendia muitos instrumentos percussivos, sempre seguindo com a musicalidade e a religiosidade de maneira paralela até os dias de hoje. Em seguida passei de aluno a educador, trabalhando em escolas e projetos sociais, buscando a faculdade de música a fim de trazer o universo acadêmico para minhas experiências e levar a tradição do batuque pra dentro da universidade.
Foi daí que surgiu o Alùjá, com a ideia de trazer nossa cultura religiosa dos terreiros para os palcos e para ambientes acadêmicos, proporcionando a experiência de nossos costumes em forma de arte e normalizando todas as nossas vivências, quebrando preconceitos, tabus e desmistificando nossa religião através do conhecimento e da musicalidade.
Em determinado momento me percebi como um mensageiro, alguém capaz de tirar as rezas da posição oculta da religião, onde era privilégio apenas de alguns, e levar para os palcos, onde eu poderia apresentar toda sua capacidade musical, bem como toda cultura e mensagem que elas são capazes de trazer, perpetuando toda africanidade e ancestralidade que o batuque do Rio Grande do Sul é capaz de trazer.
O Alùjá mais do que uma expressão de arte, vem como forma de luta e resistência.
História do batuque
Por Roger Olanyan de Aganju
A estruturação do Batuque no estado do Rio Grande do Sul deu-se no início do século XIX, entre os anos de 1833 e 1859 (Correa, 1988 a:69). Tudo indica que os primeiros terreiros foram fundados na região de Rio Grande e Pelotas. Tem-se notícias, em jornais desta região, matérias sobre cultos de origem africana datadas de abril de 1878, (Jornal do Comércio, Pelotas). Já em Porto Alegre, as notícias relativas ao Batuque, datam da segunda metade do século XIX, quando ocorreu a migração de escravos e ex-escravos da região de Pelotas e Rio Grande para Capital. Lembrando sempre que a língua usada é a Yoruba. Cabe enfatizar e esclarecer que, o Batuque "não" é um segmento do candomblé baiano, muito ao contrário, tendo liturgia e fundamentos próprios, nada semelhantes ao candomblé.
Os rituais do Batuque seguem fundamentos, principalmente das raízes da nação Ijexá, proveniente da Nigéria, e dá lastro as outras nações como o Jêje do Daomé, hoje Benim, Cabinda (enclave Angolano), Oió|Oyó e Nagô, também, da região da Nigéria.
O Batuque surgiu como diversas religiões afro-brasileiras praticadas no Brasil, tem as suas raízes na África, tendo sido criado e adaptado pelos negros no tempo da escravidão. Um dos principais representantes do Batuque foi o Custódio Joaquim de Almeida|Príncipe Custódio de Xapanã. O nome batuque era dado pelos brancos, sendo que os negros o chamavam de “Pará”. É da Junção de todas estas nações que se originou esta cultura conhecida como Batuque, e os nomes mais expressivos da antiguidade, que de uma maneira ou de outra contribuíram para a continuidade dos rituais foram:
Os Orixás cultuados são os mesmos em quase todos terreiros, os assentamentos tem rituais e rezas muito parecidos, as diferenças entre as nações é basicamente em respeito as tradições próprias de cada raiz ancestral, como no preparo de alimentos e oferendas sagradas. O Ijexá é atualmente a nação predominante, encontra-se associado aos rituais de todas nações.
• Nagô — Imbrain de Oyá, Volni de Ogun, Enio Gonçalves de Ogun, Leda Feijó de Oxum, João Carlos Lacerda de Oxum, Norma Feijó de Xangô, João Pinho de Xangô, João Cunha de Xangô, Veleda de Bará Adague, Arminda de Xapanã, Vó Lúcia, Zé Coelho de Odé, Professor Lino Soares de Odé, Albertina de Bará, Vó Diva de Odé, Vô Lourenço de Odé, Gerson de Oxalá, entre outros.
• Ijexá — Paulino de Oxalá Efan, Maria Antonia de Assis (Mãe Antonia de Bará), Manoel Matias (Pai Manoelzinho de Xapanã), Jovita de Xangô; Miguela do Bará, Pai Idalino de Ogum, Estela de Yemanjá, Mãe Diva de Yemanjá , Ondina de Xapanã, Ormira de Xangô, Pedro de Yemanjá,Pai Tuia de Bará,Pai Tita de Xangô; Menicio Lemos da Yemanjá Zeca Pinheiro de Xapanã, Mãe Rita de Xangô Aganju,entre outros.
• Oyó — Mãe Emília de Oyá Lajá, princesa Africana , Pai Donga da Yemanjá, Mãe Gratulina de xapanã, Mãe "Pequena" de Obá, Mãe Andrezza Ferreira da Silva, Pai Antoninho da Oxum, Nicola de Xangô, Mãe Moça de Oxum, Miguela de Xangô, Acimar de Xangô, Toninho de Xangô e Tim de Ogum, entre outros.
• Jêje — Mãe Chininha de Xangô, Príncipe Custódio de Xapanã, João Correa de Lima (Joãozinho do Exú By) responsável pela expansão do Batuque no Uruguai e Argentina, Pai Betinho de Xapanã, Zé da Saia do Sobô, Loreno do Ogum, Nica do Bará, Alzira de Xangô, Pai Pirica de Xangô;Mãe Dada de Xangô; Leda de Xangô; Pai Tião de Bará; Pai Nelson de Xangô, Pai Vinícius de Oxalá entre outros.
• Cabinda — Waldemar Antônio dos Santos de Xangô Kamuká; Maria Madalena Aurélio da Silva de Oxum, Palmira Torres de Oxum, Pai Henrique de Oxum, Pai Romário de Oxalá, Pai Gabriel da Oxum,Mãe Marlene de Oxum, Pai Cleon de Oxalá, Pai Mário da Oxum, Pai Nazário do Bara,Mãe Magda de oxum, Pai Alberto de Xango,Pai Adão de Bará, Pai Vilmar de Oxalá, Pai Luiz Carlos de Oxum, Pai Carlos de Aganjú, entre outros.
Nações do Batuque RS
Nação Jeje — assim como a Cabinda, adotou o panteão Yoruba dos orixás, que são os mesmos de Ijexá, sendo muito comum as casas de Jeje-Ijexá. Muitos sacerdotes da Nação Jeje do Batuque desconhecem a palavra Vodun, embora se tenha relatos de culto a algumas destas divindades antigamente. Os descendentes de Pai Joãozinho do Bará (Esú By) são os que mantém firme as tradições desta nação, como o uso de agdavís em seus rituais (chamado “Jeje de pauzinhos”), o assentamento de Ogun semelhante ao do Vodun Gun no Daomé, e existência de pessoas iniciadas para Dan e Sogbo. As cerimônias se iniciam com a parte Jeje (com cânticos no dialeto fongbe) e a dança em pares (simbolizando o par da criação Mawu-Lisa) e o toque com as “varinhas” e depois a parte Yorubá com as rezas tradicionais do Batuque.
Nação Oyo — se caracterizava principalmente pela ordem das rezas: primeiro tocava-se para todos os Orixás masculinos, depois para os femininos, e finalizava-se com Oyá, Xangô e Oxalá (Oyá e Xangô no final, representando o Rei e a Rainha de Oyó)e dizem também que ao final da cerimônia, os orixás carregavam a cabeça dos animais a eles sacrificados, já em estado de decomposição, na boca.
Nação Cabinda — embora de origem bantu não cultua nkisis (muitos desconhecem esta palavra), mas sim Orixás, os mesmos de Ijexá, com acréscimo de algumas qualidades de Bará (Bará Legba) e Oyá (Oyá Dirã, Oyá Timboá) e o culto aos Eguns é muito forte nesta nação, tendo toda a casa de Cabinda o assentamento de Igbalé (casa dos mortos). Nesta nação os filhos de Oxun, Yemanjá e Oxalá podem entrar e sair dos cemitérios quando bem quizerem, sem que sua obrigação ou feitura seja prejudicada, diferentemente das demais nações, onde os filhos destes orixás só podem entrar em cemitérios quando for algo extremamente importante.
Nação Nagô — é muito parecida com o candomblé tanto nas cerimônias como nas características dos Orixás. Nesta nação usa-se sacrificar os animais deitados e não suspensos como nas demais. Está quase extinta.
Referências
[1] - JAQUES, André Porto. A Geografia do Batuque: estudos sobre a territorialidade desta religião em Porto Alegre-RS. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
ORIGEM DA NAÇÃO JÊJE / IJEXÁ
A Nação Jêje, têm sua origem na antiga República de Daomé, atual República do Benin.
Suas duas principais características são:
O culto a deuses diferentes dos Orixás, cultuados pelos Yorubás, os chamados Voduns. E, o idioma falado na região, o Fon. A palavra Jêje, é uma contração de outra palavra, de origem Yorubá: àjèjì, que significa estrangeiro.
Era assim, que os Yorubás presentes na região, consideravam os Fon, como estrangeiros, por sua cultura e religião, serem diferentes da cultura deles.
Os Voduns, são os deuses cultuados pelos Jêjes. Assim como os Orixás, eles também representam forças e energias da natureza. Cada Vodun possui, em tese, um Orixá que lhe corresponde, por uma questão de dualidade, ou seja, por representarem domínios em comum. Os Voduns, são agrupados em quatro famílias:
• Os Ji-Vodun ou "Voduns do Alto": Chefiados por Sô, forma basilar de Heviossô¹.
• Os Ayi-Vodun: Que são os voduns da terra, chefiados por Sakpatá².
• Os Tô-Vodun: Que são os voduns próprios de uma determinada localidade.
• Os Henu-Vodun: Que são cultuados por certos clãs que se consideram seus descendentes. O povo Ewe-Fon acredita em dois deuses criadores: Lissá³ (masculino) e Mawu£ (feminino). Esse povo, deixou fragmentos de sua religião, presentes no Batuque do Rio Grande do Sul, através de algumas divindades, oriundas de sua cultura, são eles: Legba5, Agué6 , Sakpatá, Nanã7 e Sobô.
Fonte: O Livro dos Deuses Voduns
1 - Sobô ou Heviossô, é o Vodun do Céu que se manifesta em forma de trovão e raio, ele é associado ao Orixá Xangô, pelos Yorubás.
2 - Sakpatá, é o Vodun da terra, senhor da varíola e de todas doenças infecciosas que deformam o corpo. É muito temido e respeito por todo povo Fon.
Sakpatá representa o Orixá Xapanã, pelos Yorubás.
3 - Lissá: Deus da criação, pai e ancestral dos demais Voduns. Representa o sol, o trabalho e a determinação.
4 - Mawu: Deusa da criação, junto com Lissá, deu vida à Terra, aos demais Voduns e tudo que nela habita. Representa a noite, a lua e o subterrâneo.
5 - Legba: É o Vodun precursor. Representa o bem e o mal. É o guardião das entradas de aldeias e templos. É invocado antes de qualquer cerimônia, pois ele quem garante o bom andamento de todo e qualquer ritual posterior.
6 - Agué: É o Vodun das folhas, das florestas e das artes. É representado pelos Yorubás pelo Orixá Ossanha.
7 - Nanã: É o Vodun da lama, dos pântanos, da vida e da morte. Ela quem é responsável pelos portais entre os dois mundos: Físico e Espiritual.
A Nação Ijexá, em Yorubá Ìjẹ̀ṣà, é uma religião de Matriz Africana, oriunda da região de mesmo nome, no estado de Ọṣun, na Nigéria. A característica principal dessa Nação é o culto aos Orixás, deuses Yorubás que representam os elementos presentes na natureza. A principal cidade desse reino é Ilésà, capital e a maior cidade do reino. As outras principais cidades do reino, são: Ipetu-Ijesa, Esa-Oke, Ijebu-Jesa, Ibokun são cidades que têm entre 100.000 e 120.000 habitantes.
HISTÓRIA DO ESTADO DE ILÉSÀ
A história do povo Ìjẹ̀ṣà com sua capital em Ilésà reflete, como a história de Ijebu e Oyo, o advento de um herói fundador com afiliação Ifè. As tradições de fundação do Ìjẹ̀ṣà, como dos outros grandes reinos da região, tomam a forma de uma migração dinástica de Ife. Ife, o centro sagrado da mitologia Yorubá. Segundo a tradição, foi fundada por Owa Ajibogun ou Owa ("rei"), que foi um dos dezesseis filhos da divindade Odùduwà .A versão padrão da tradição entre os Ìjẹ̀ṣà traça a origem do estado de para um filho mais novo de Odùduwà chamado Obokun (ancestral de Owa), em comemoração a 8Divindade primordial Yorubá. Representa divinização da Terra.: Estado de Ọṣun uma ocasião em que ele buscou a água do mar para curar a cegueira de seu pai. Obokun então se estabeleceu no que se tornaria o estado de Ìjẹ̀ṣà. Ele encontrou, como outros heróis fundadores, estruturas políticas preexistentes, incluindo uma confederação de cinco cidades na área de Obokun. O próprio Obokun é tão central para os Ìjẹ̀ṣà que eles se chamam Omo Obokun (Filhos de Obokun). O chefe da Família Soberana também é conhecido como Owa-Obokun, de Ìjẹ̀ṣà.
Fonte da pesquisa: http://www.ogedengbe.com/9763.html
ORIXÁS
Divindades representadas pelas energias da natureza, forças que alimentam a vida na terra, agindo de forma intermediária entre Deus e as pessoas, de quem recebem uma forma de culto e oferendas. Possuem diversos nomes de acordo com a sua natureza. (BENISTE, 2016. p.592) Orixá é como denominamos as divindades presentes no Batuque do Rio Grande do Sul, oriundas de diversas regiões da África, mais precisamente da Nigéria, ou seja, dos povos denominados Iorubás.
Os povos dessa região, acreditam em um deus criador, de nome Olódùmarè ou Olórun. Ele é responsável pela criação do mundo e pela criação dos Orixás, dando a eles, um domínio sobre as energias oriundas da natureza. Os principais Orixás cultuados no Batuque são:
Bará: Ligado à comunicação entre o Òrún e o Àiyé, aos caminhos e a fertilidade masculina.
Ògún: Divindade do ferro e das batalhas.
Oya: Orixá dos raios, tempestades e ventos.
Xangô: Divindade dos raios e dos trovões.
Ode: Caçador. Orixá da Caça.
Òtìn: Orixá da caça.
Obà: Divindade da guerra, dos amores impossíveis, das batalhas e da roda da vida. ° Ossain: Orixá das folhas, do oculto e das ervas medicinais.
Xapanã: Divindade das doenças físicas e espirituais.
Oxum: Divindade das águas do rio, da fertilidade, da beleza, do ouro e do amor.
Yemanjá: Orixá das águas, da maternidade e do cérebro.
Oxalá: Orixá ligado à criação, a visão física e espiritual.
Òrúnmìlà: O senhor da adivinhação. Ligado ao jogo de búzios. Mas, nem tudo é Orixá.
Ainda dentro do Batuque, temos os Voduns, originários da Região de Daomé, atualmente República do Benim (África Ocidental), são cultuados pelo povo Ewe-Fon e no Batuque pela Nação Jêje, oriunda dessa região.
Para os Iorubás, Jêje é uma flexão de àjèjì, que significa estrangeiro, estranho. O idioma falado por esse povo, ao contrário do povo Nagô, que é o Iorubá, é o Fon. 7 Os Voduns, são agrupados em quatro famílias:
Os Ji-Vodun ou "Voduns do Alto": Chefiados por Sô, forma basilar de Heviossô. ° Os Ayi-Vodun: Que são os voduns da terra, chefiados por Sakpatá.
Os Tô-Vodun: Que são os voduns próprios de uma determinada localidade.
Os Henu-Vodun: Que são cultuados por certos clãs que se consideram seus descendentes. O povo Ewe-Fon acredita em dois deuses criadores: Lissá (masculino) e Mawu (feminino). Esse povo, deixou fragmentos de sua religião, presentes no Batuque do Rio Grande do Sul, através de algumas divindades, oriundas de sua cultura, são eles:
Legba: O caçula de Mawu e Lissá. Representa as entradas e saídas, a sexualidade, o guardião da entrada dos templos. O mensageiro entre o homem e as divindades Vodun. No Batuque do RS, é cultuado como uma qualidade de Èsù.
Agué: Vodun da caça e das florestas. Ele tem uma perna só e ensinou aos homens o segredo das plantas e todas as artes. É também o chefe de todos os Aziza, ou espíritos da floresta. É cultuado no Batuque, como uma qualidade de Òsányìn.
Sakpata: É o grande Ayi-Vodun do Panteão Ewe-fon. Deus da terra e da varíola, por isso intitulado Ayinon (o dono da terra). Considerado filho mais velho de Mawu, ele é enfim, o Rei do Mundo, originalmente vodun da varíola e, por extensão, de inúmeras enfermidades contagiosas que deformam o corpo. Todo o povo fon o teme enormemente e o cultua fervorosamente e possui uma grande quantidade de representações, cada uma sendo um aspecto de doenças e infecções.
A tradição aponta a origem do culto de Sakpatá na localidade de Kpeyin Vedji, um enclave Iorubá dentro do território Mahi a noroeste de Abomei. É cultuado no Batuque como a qualidade mais velha de Sànpònná.
Sobo: Vodun dos raios e da justiça. Cultuado no Batuque como uma qualidade de Xangô.
Nanã: Criou o mundo, mãe de Mawu-Lissá. Vodun da chuva e da lama, que deu origem à Terra. Sua ligação com água e lama, associa Nanã à agricultura, a fertilidade, aos grãos. Ela recebe em seu seio os mortos que permitem o renascimento. É cultuada como qualidade de Yemanjá (em nossa gôa, o culto à Nanã se faz presente e é feito de forma independente ao culto à Yemanjá, tendo suas próprias peculiaridades).
Referências: O livro dos Deuses Voduns, Andréia Camargo. 1969.
Clube de Autores. Dicionário Yorubá, José Beniste. 2016. Bertrand Brasil
sobre os alágbès
Por Roger Olanyan de Aganju, alágbè e balarorixá
Nas religiões de matriz africana, especialmente no Batuque do Rio Grande do Sul, os tamboreiros (alágbès) tem uma função muito especial no culto, que é chamar e louvar os Orixás através do tambor, levando em conta que na nossa tradição ele não é aberto embaixo - nós utilizamos tambores com couro nas duas extremidades, com o de cima representando o Orun (céu) e o de baixo representa o Ayê (terra). Ao executar o tambor com a maestria necessária e entoando o cântico corretamente na hora certa causam o que chamamos de “ocupação” ou transe, como queiram.
Para ser um alágbè é necessário ter obrigação, conhecer cada um de seus orixás e tê-los assentados, conhecer suas lendas e costumes, sua verdadeira energia. Ter o conhecimento teórico igual do seu babalorixá. Além do conhecimento adquirido, tem que ter muito boa disciplina, comportamento ético e claro discernimento, sendo capaz de diferenciar cada manifestação - e quando nos ebós, é peça importante na chamada dos orixás corretos com os seus axés (o resultado de um axé depende muito do bom desempenho do alágbè, que deve trabalhar em unidade com seu babalorixá, em prol de um resultado satisfatório).
Não existe alágbè de umbanda, de quimbanda, alágbè mulher. Isso é invenção!
Na história do Batuque existiram nomes notórios como grandes tamboreiros, além de grandes formadores de novos tamboreiros. Impossível não citar os nomes de alguns grandes, como:
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Esá (finado) Pai Pedro de Iemanjá, considerado o mestre dos mestres, uma figura histórica que muito contribuiu para reestruturação da religião afro no estado do RS.
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Esá (finado) Mestre Borel de Xangô, figura inteligente e despojada, circulava muito bem entre as diferentes vertentes das religiões afro no Brasil, tendo domínio de muito conhecimento, inclusive do Candomblé, cultura religiosa pouco difundida no estado do RS, mas amplamente difundida no Brasil. Mestre Borel foi um dos primeiros mestres de tambor a se interessar por estudar o idioma iorubá, tendo colaborado com a escrita e pronúncia de muitos cânticos entoados no Batuque.
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Esá (finado) Pai Dário Paiva de Ogum, conhecido religiosamente como Pai Tureba de Ogum, excelente rezador e tocador, pai de outras lendas do tambor, como Pai Carlinhos de Oxum, Pai Antônio Carlos de Xangô, Pai Guaraci de Ogum, Pai Chaninho de Bará e Pai Darinho de Bará.
Temos inúmeros outros tamboreiros que fizeram história no batuque, citar alguns como:
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Esá Adãozinho de Bará (Mestre do Oyo)
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Esá Tesoura de Ogum (dono de uma melodia e harmonia única)
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Esá Chamin de Aganjú (o homem show do batuque, aquele que mudou os padrões dada a sua qualidade rítmica e melódica)
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Esá Jorge Testa de Ogum Jare (um mito na cadência e canto).
Todos citados além de exímios tamboreiros eram também sacerdotes, tendo uma vasta família religiosa.Vamos esmiuçar um pouco sobre os tambores…
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Ilú: é feito em madeira (hoje pela escassez houve adaptação para o latão) e aros de ferro que sustentam o couro. Existe de vários tamanhos, geralmente com a circunferência de 25 a 30 cm, por 50 cm de altura, sendo tensionados (afinados) por cordas. São encourados com os couros dos animais que são oferecidos aos Orixás, independente da cerimônia que é feita para consagração dos mesmos quando são comprados. Cada ilú é consagrado a uma Divindade.
Ao longo do xirê executam uma série de toques que devem estar de acordo com os orixás que vão sendo evocados em cada momento da festa. Os kòríns (rezas) são entoados ao som destes tambores. Para auxiliá-los, utiliza-se um agogô (nas pancadas de Jeje).
Os ilús no batuque são objetos sagrados e renovam anualmente esse axé. Os ilús são os principais instrumentos da música do/ao Orixá, cuja execução é de responsabilidade dos Ogans, mas não apenas para marcar os toques, pois sua finalidade maior é chamar os Orixás para o mundo dos humanos, o Ayê (a terra).
Os Ilús são chamados de Ìlubatá ou ìlú na nação Ketú, e Ngoma na nação Angola.
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O outro tambor que o batuque utiliza chama-se Ayan (inhã). Somente alágbès prontos, com feitura de ilús há mais de 12 anos podem executá-los. É bi percussivo e tocado sobre as pernas. Uma de suas bocas tem em média de 40 a 44 cm, e a outra de 18 a 22. Ambos lados tem guizos, que tem a função de acompanhar o ritmo, bem como produzir um som que espanta os eguns! A ayan no batuque só pode ser tocada pelo Ògán Àlágbé N’Ìlú, e é ela que comanda os ilús.
É o Ògán Àlágbé N’Ìlú que começa o toque, e é através do seu desempenho na ayan que o Orixá vai executar a sua coreografia de dança, sempre acompanhando a marcação da ayan.
Ogan – do iorubá – “ga”: “pessoa superior, chefe”, com possível influência do jeje ogã: “chefe, dirigente. O alágbè possui dois postos auxiliares, Òtún e Òssí Àlágbé. É chamado de pai e tem que se ter com o ÒGÁN ÀLÁGBÉ N’ÌLÚ o mesmo respeito que se tem com o babalorixá.
O Ògán Àlágbé N’Ìlú é escolhido pelo orixá para estar lúcido durante todos os trabalhos. Ele não entra em transe, mas mesmo assim não deixa de ter a intuição espiritual. Os alágbès não podem em hipótese alguma receber orixá, embora aqui no Rio Grande do Sul vermos muitos alágbès recebendo orixá, mas isso é um equívoco gigantesco, e por serem pessoas antigas não são questionados.
Em minha opinião, para ser denominado ÒGÁN ÀLÁGBÉ N’ÌLÚ, tem que estar muito bem entrosado com os rituais da nação a qual o tamboreiro pertença, como também conhecer os rituais das demais nações, principalmente aqui no Brasil, onde temos variantes de nações por causa do já conhecido envolvimento histórico África-Brasil. Nos navios negreiros e nas senzalas a mistura foi muito grande, mesclando muitas tribos e as mais fortes em cultura ou em liderança eliminaram as menores ou menos importantes culturalmente e economicamente menos influentes.
Não trocaram as energias dos orixás, mas as interpretações, alguns cânticos, invocações, toques e as lendas que começaram a ser contadas, mesclaram-se com a cultura brasileira, subordinada aos costumes religiosos opressivos católicos vigentes. Como resultado, os ancestrais deixaram para nós uma verdadeira miscelânea que lentamente está sendo resgatada, mas quanto mais se mexe mais aparece elementos exigindo dos Babalorixás um grande discernimento para não perder a coluna deixada ou ensinada pelos seus mestres, mas também não excluindo os novos conceitos e linhas que surgem gradativamente, também como fruto da evolução do ser humano.
Mas adaptar-se não significa aniquilar-se, e quando se eleva alágbès e ogãs, com conhecimento e bom senso mantemos a religião viva, muito mais que manter, acompanhamos e evoluímos com ela e a sociedade como um todo.
depoimento
Lucas luz
Conheci o Diih era 2008 ou 2009, não lembro bem. Ele tinha entre 13 e 15 anos. Na época, eu fazia parte do Maracatu Truvão, pioneiro grupo no Rio Grande do Sul dedicado a pesquisar, estudar e tocar o maracatu de baque virado do Recife, em Pernambuco. O local em que ensaiávamos e deixávamos os instrumentos era o Instituto Cultural Afro-Sul Odomodê, um dos mais importantes pontos de cultura de Porto Alegre, sendo uma referência em todo o país por suas ações sociais, culturais e educativas, “valorizando a cultura negra e o direito a livre expressão da pessoa humana, com o objetivo de lutar contra o racismo e divulgar a história e a música negra”. Era lá também que aconteciam as oficinas do Truvão, realizadas com muito carinho, respeito e dedicação pelo Ismael, esse mais um dos irmãos que a vida me permitiu escolher. As principais apresentações do grupo aconteciam lá também, aos domingos, quando o espaço ficava cheio de gente para participar das rodas de samba do grupo Central do Samba, então sempre seguidas pela catarse do Maracatu Truvão. Até a pandemia chegar, essa permanecia sendo a realidade do grupo.
Mas naquela época, e isso é importante falar, as coisas eram diferentes, por mais que não estejamos tão distantes do “fim da primeira década do século 21”. Em vários aspectos. No grupo, isso era latente. Éramos poucos, no máximo umas 15 pessoas, algumas apenas flutuavam por entre nós. Homens e mulheres, proporcionalmente bem divididos, a maioria entre os 20 e 30 anos. É importante que seja dito: privilegiados. Isso ainda não se discutia naquele tempo, não era pauta. Portanto, também não era tabu. Não sei, mas acho que ainda não tínhamos nenhum negro no grupo, talvez o Morruga só tenha aparecido tempos depois.
Acho que a primeira vez que vi o Diih foi em uma oficina (fechada aos seus integrantes) realizada pelo grupo com a participação do Mestre Gilmar, vindo diretamente de Igarassú, Pernambuco, onde estava à frente do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassú, de “propriedade” de sua família por muitas gerações. Lembro até hoje a forma como ele se vestia, visual que lembrava artistas do rap ou da NBA, tranças rasteiras em seu cabelo e uma faixa, dessas que parecem do mesmo tecido de toalhas felpudas, cruzando sua testa. Ele parecia bem tímido. Mas eu já me ligava no deboche e no sarcasmo dele, principalmente quando saímos para almoçar em um “xis” próximo ao Odomodê. Nunca vi essas características como um problema, entendo até como virtude.
Mas eu também conseguia perceber o contexto todo da história, da presença dele ali e naquele momento. O Diih é de uma turma de guris muito foda, de Alvorada, que ainda pré-adolescentes resolveram dar uma curva em sua história e trapacear os seus futuros previsíveis. Eles começaram o Nação Periférica, lá no Umbu (bairro deles), projeto social que durante muito tempo foi referência, não apenas em Alvorada, mas em muitos lugares do Brasil. Com influências das bandas marciais negras dos Estados Unidos e principalmente do Afroreggae, por quem depois acabaram sendo apadrinhados, o Nação, quando em ação/cena, era algo inexplicável, uma sincronia de ritmos e corpos negros e jovens gritando pro mundo, fazendo política e os tirando de um lugar de invisibilidade. Nessa oficina, se não me engano, estavam o John (hoje artisticamente conhecido por Dona Conceição, um dos principais e mais potentes artistas da música produzida no Rio Grande do Sul), o Diih, o “Alcione” e outro que não lembro o nome.
Sei que chegaram lá através do John, que tinha conhecido o Odomodê em virtude de umas oficinas que participou, com o pessoal do Teatro do Oprimido. Embora uma paleta monocromática imensa de cores nos separasse, eu sempre me identifiquei com eles, por termos saído de lugares parecidos. Mas por ser branco, nunca ninguém atravessou a rua por medo de mim, nem nunca tive um “segurança privado” em um shopping ou supermercado. Também nunca olhei para eles como se estivéssemos fazendo algum tipo de favor ou caridade por “permitir” que eles estivessem ali, ou de alguma forma exótica. Preferia ficar tirando onda com eles (Alcione foi um apelido que eu dei, em virtude da semelhança no rosto de um desses meninos com a famosa cantora de samba) e pegar nomes das influências deles, para que nos primórdios do Youtube pudesse encontrar vídeos sobre, além de outras bobagens em geral - o único cuidado era geracional mesmo, pois ainda eram praticamente crianças.
Acho que tirando o John, um pouco mais velho que eles e na época já morando em Porto Alegre em um apartamento de outros de seus padrinhos - Ângelo Primon e Nise Franklin, se não me engano - nenhum deles permaneceu indo ao Odomodê por muito tempo. Sem carro a disposição, dinheiro para passagem ou qualquer outra forma de transporte que os permitissem chegar até lá, o Umbu era o Mundo. Eu só fui ouvir o nome do Diih novamente quando fizemos a primeira temporada do Gema. Foi através dele que conseguimos o contato de Antônio Carlos de Xangô, um dos protagonistas daqueles 10 episódios.
Devia ser 2016 ou por aí, quando reencontrei o Diih, ao acaso, simbolicamente no Mercado Público de Porto Alegre. Eu já havia deixado o Truvão fazia uns cinco anos, já era pai e tinha realizado alguns projetos pessoais bem interessantes. Passei por ele e teimei comigo mesmo em cumprimentá-lo. Normalmente, não sou apegado a parar para falar com pessoas com que deixei de falar - por qualquer motivo que seja - só para especular a vida por um instante ou trocar uma meia-dúzia de palavras triviais. Apenas um jeito. Mas parei. E falamos. E foi foda. Ele também já era “homem-feito”, pai de uma, postiço de outra, me apresentou sua esposa, Michele, teve muito carinho por mim enquanto situava ela sobre quem éramos juntos. Contato pro Gema e esse encontro devem ter sido na mesma época.
Quando resolvi montar (tardiamente) uma banda em 2018, para misturar música feita através de programações eletrônicas, efeitos, meus textos e percussão orgânica - e que viesse dessa “escola” do batuque -, conversei com o John, contei meu plano, perguntei se conhecia alguém. Ele foi enfático: “fala com o Diih!”. Dali, daquele momento, amor, respeito e tiração de onda, de ambos os lados, só cresceram. O trabalho não prosseguiu, mas deu tempo suficiente para conhecer mais sobre seu trabalho, sua vida, sua musicalidade (extraordinária). Deu também para entender o quanto é combativo através de sua espiritualidade e de sua ancestralidade hackeada, mas de uma forma muito singular, baseada na calma de sua escuta e na didática de sua fala - ao menos, essa é a minha impressão.
No final desse ano consegui uma verba para realizar a Mostra Gema, uma extensão do que havia sido feito na primeira temporada. A ideia era promover shows de alguns dos protagonistas registrados lá em 2016, com outros que pudessem ilustrar a continuidade do que já havia sido feito por aqueles mestres, aquelas outras gemas. Inevitável chamar o Diih com seu projeto Alùjá. Abriram o segundo dia de evento, um calor infernal, sol borbulhando em luz e muito suor escorrendo em sua pele. 20 e poucos anos e tínhamos ali uma entidade, uma voz que já havia cantado muito antes do que a história consegue registrar. Acima de tudo, um respeito imenso dele pelos seus orixás e por todo o povo que representa.
Seguimos falando em 2019 - muitos áudios trocados entre conselhos de amigos/irmãos, sarros, falas sobre música e batuque, deboches (sempre eles), falamos mal de umas duas ou três pessoas, bem de tantas outras, muito papo furado, muita coisa séria também -, a pandemia chegou em 2020 e em 2021, com a abertura do edital gerido pela Fundação Marcopolo através da Lei Aldir Blanc, o provoquei, afirmando que esse era o momento para registrarmos Alùjá, aproveitando também para alinharmos ações conjuntas com o Gema, uma nova fase: se em um primeiro momento era providencial o registro de pessoas mais velhas, hoje é urgente a necessidade de registrarmos pessoas como o Diih: preto, pobre, periférico e, no caso dele, batuqueiro.